Perfis Plurais
- Debate no Café
- 13 de jul. de 2021
- 22 min de leitura
Atualizado: 25 de abr.
A nossa convidada de hoje é a Glenda Moreira, e hoje vamos discutir sobre Perfis Plurais.
A Glenda é psicóloga. Especialista em Diversidade e Inclusão (D&I). Mãe do Enricão. Sócia-Fundadora da Ikigai. Mantenedora da Associação Brasileira de Mulheres LBTI´s. Ela também co-lidera a frente Diversidade e Inclusão no projeto “Jovens do Brasil”. Também é palestrante e mentora de Diversidade e Inclusão para educação. E tem experiência com o mundo corporativo desde 2005.
Glenda, seja muito bem-vinda!
Glenda: Muito obrigada. Eu super agradeço o convite. Estou feliz em fazer esse bate-papo com vocês. Sou apaixonada pelo que faço! Diversidade e Inclusão é meu propósito de vida, então vai ser uma delícia poder discutir sobre todos os aspectos que a gente vai falar hoje.
Márcio: Obrigado por aceitar bater esse papo e tomar um cafezinho conosco. Esse tema é bem diverso e podemos realmente passar horas conversando porque ele abrange muitas vertentes de pensamento e abordagens. E eu queria trazer uma primeira provocação e falar sobre “fit cultural” e cultura corporativa. Como fazer a cultura de uma empresa “dar fit” com a cultura de uma pessoa?
Antigamente eu diria que era um pouco mais fácil, porque era imposto: “Nossa cultura é essa, você deve se adequar”... quando íamos para empresas muito grandes você se adequava à cultura do seu chefe direto, mas hoje, que a gente tem que ter um pensamento mais aberto: como lidar com esse desafio da empresa ainda ter a sua cultura e ter os pontos de conexão com as culturas diversas de pessoas? Como dar fazer esse fit?
Glenda: Eu acho que é muito importante a gente começar tentando entender por que que as coisas mudaram? Porque antigamente eu não tinha essa opção como você trouxe, e hoje eu olho e falo: “eu quero ou eu não quero determinada empresa!”. O que será que aconteceu? Acho que essa mudança da sociedade vem se refletindo nas empresas e é uma retroalimentação.
Se fala muito de Cultura corporativa hoje em dia, parece que tudo gira em torno de Cultura e Digital. E são duas coisas que realmente têm uma relação super importante. Eu sou uma profissional da área de Recursos Humanos, e Cultura é a base da discussão para muitos processos dentro da área de RH, mas quando chega a perspectiva de Diversidade e Inclusão (D&I) eu te diria que o caldo entorna um pouquinho, a coisa fica um pouco mais tensa. Se a gente fala que a gente precisa de perfis diferentes dentro das organizações, se a gente fala que a gente precisa de inovação, se a gente fala que a gente quer atingir resultados de uma maneira diferente... então a gente vai precisar de pessoas que efetivamente tenham essa expansão mental.
Você falou um pouquinho dessa diferença de mentalidade, eu concordo plenamente. E as culturas das organizações precisam se moldar para receber essas pessoas. Se a gente sabe que eu não vou fazer melhores resultados atuando da mesma maneira, então essa cultura corporativa tem que se moldar. A gente vê nas práticas de Recursos Humanos uma série de novos pensamentos hoje em dia. Uma das coisas que se fazia muito antes era encaixotar você num número: você era potencial quando você atingia um número “x”, você performava quando você refletia um número “y”, agora a gente já não fala mais disso dentro das áreas de desenvolvimento, de performance, a gente já olha o composto, esse ser humano no todo - que é pai, que é mãe, que é filho, que gosta de determinadas coisas - nesta organização e neste momento ele performa assim ou assado. É muito mais complexo, e as empresas têm que acompanhar isso; não tem como ser diferente!
Outra coisa que eu gosto de chamar a atenção é o seguinte: a gente não quer mais ser feliz só no final de semana? Isso há muitos anos já! A gente trabalhava para ganhar dinheiro e a gente era feliz no final de semana. Você dividia os momentos. Eu, por exemplo, me chamo Glenda Fabiana e era como se fosse Glenda de um lado e Fabiana do outro! [Márcio: a Glenda durante a semana e Fabiana nos finais de semana?] Isso. Agora não é mais assim! Eu quero poder falar do meu filho, eu quero poder ser quem eu sou. Então quando a gente traz o debate da Diversidade e Inclusão impactando Cultura é disso que a gente está falando, não tem como eu performar dois papéis. Não existe isso! Ainda mais nesse mundo complexo que a gente tem hoje. Não tenho cabeça e emocional para isso, então eu quero ser quem eu sou dentro do meu trabalho.
A cultura da organização tem que refletir, de alguma maneira, os meus valores e aí eu, colaborador, penso: “Se essa empresa tem valores parecidos com os meus, eu vou suportar uma série de coisas que vêm junto com o crachá, porque no final das contas o propósito vale a pena!”.
Márcio: Acho que é aquele ponto de intersecção, nunca vai ter 100% de fit empresa-colaborador, mas tem que ter a intersecção.
Você falou uma coisa importante que é a diferença entre vida pessoal e vida no trabalho. Eu diria que essa pandemia, principalmente para quem trabalha em escritório, nas grandes empresas que estavam de home officce, deixou uma coisa evidente: as empresas entraram na casa das pessoas e você está ali no seu dia a dia, então não dá mesmo para você ter duas caras, a cara do trabalho todo sorridente, e quando saio do trabalho posso tirar o sorriso.
Eu vi um vídeo no LinkedIn, de uma pessoa e achei bem interessante. Era uma mãe, com uma criança no colo, um fone de ouvido igual ao meu e ela contando como é o dia a dia dela. Tem hora que ela perde a concentração porque tem um bebê ali, ela é sozinha com o bebê, não tem como deixar em outro lugar e esta é a realidade dela [Glenda: e sempre foi!] mas não se enxergava desse jeito porque tinha um distanciamento físico, saio de casa e vou para a empresa (pelo menos para grande parte das pessoas). Hoje não dá mais para você se esconder, você deixar o seu “eu pessoal” em casa quando sai para trabalhar, então isso evidencia muito mais esses perfis, você começa a conhecer mais as pessoas, o perfil real da pessoa; quem ela é realmente!
Glenda: Totalmente! E eu acho que é algo que não volta atrás, porque uma vez que eu me declaro como colaboradora-e-mãe, colaboradora-e-esposa, colaboradora-e-filha, colaboradora-e-ativista social, seja o que for, uma vez que eu exponho isso eu não consigo voltar atrás, ou seja, a relação com o meu chefe muda, a relação com a organização muda, eu exijo que isso seja respeitado de outra maneira porque agora não está velado.
A verdade era assim: quando eu vou trabalhar e meu filho está com febre... “desculpa chefe, eu não vou dar 100%”. A melhor coisa que o chefe poderia fazer - ou seja, a cultura da empresa - deveria abraçar essa mãe ou esse pai (porque a gente vê cada vez mais os pais atuando na paternidade efetiva desde o início) então a cultura da empresa deveria acolher isso e dizer: “Vai para casa, fica tranquila(o), a gente vai dar um jeito aqui e amanhã você volta melhor porque eu sei que a febre passou”. Mas não! O que acontece? Você fica lá das 8h às 18h ou das 9h às 17h e fica se torturando o dia inteiro, olhando o celular o dia inteiro, produzindo praticamente nada e fingindo que está tudo bem!
Thiago: Eu vou aproveitar esse gancho para te fazer outra pergunta que é justamente o lado da empresa. Como você enxerga hoje que as empresas estão se preparando para receber essa diversidade, para receber esse profissional que vem de outro lugar, esse profissional muito diverso (seja no histórico profissional, seja na bagagem que ele traz, nas experiências que ele tem)? Como a empresa, então, tira o melhor desse profissional? Como que a empresa hoje está olhando e falando: “Bom, é mãe, tem um filho com febre, como que eu aceito e respeito esse momento?” Nesse exemplo fica muito claro, mas eu acho que tem aqueles perfis de profissionais que também vêm de um outro lugar muito diverso e que, de repente, não conhece aquele novo ambiente e que a empresa poderia colaborar para que ele se adaptasse melhor. O que as empresas têm feito ultimamente para aceitar esse perfil tão plural?
Glenda: Eu acho que são muitas coisas na verdade. Começando pelo olhar do que é essa diversidade. As empresas têm discutido muito os marcadores sociais mais óbvios - que está certo porque a gente ainda tem que discutir isso - mas eu ainda vejo a gente falando pouco de diversidade cognitiva. Você coloca todo mundo junto e você quer que todo mundo pense igual no final das contas, mesmo tendo uma história de vida diferente, tendo um apoio familiar diferente, uma questão social diferente, uma cor de pele diferente, enfim, tendo uma história diferente.
Por exemplo, profissionais que vêm de outro país e sentem muito a mudança da cultura. Eu que trabalhei em multinacional brincava que tinha o "kit feijoada". Você chegava para o colaborador e dizia: “O Brasil é assim! Dava uma feijoada, uma caipirinha e fazia de conta que o colaborador estava adaptado.” Eu acho que a gente ainda tem muita discussão para fazer de como entender o que que esses perfis diferentes podem nos trazer de grandes diferenciais.
O que se faz muito nas empresas ainda é: contrata o que é diverso, o que é plural, e encaixota assim que dá o crachá no primeiro dia. É óbvio que você não consegue aproveitar. Penso que a gente ainda tem muita coisa para avançar nessa pauta.
Thiago: ...e depois a empresa ainda pede para pensar fora da caixa, sendo que esse profissional já está trazendo um pensamento de “fora da caixa”, mas a gente quer encaixotá-lo. Por isso vejo um caminho, um espaço para ser percorrido nessa visão de perfis plurais e diversidade e inclusão.
Glenda: Ainda temos que falar de marcador social por muito tempo porque, por exemplo, pensando numa justiça social o ideal seria que a tivéssemos dentro das nossas organizações todos os perfis que a gente tem na demografia do Brasil, mas a gente sabe que não é bem assim. Temos uma certa “categoria” que está na alta liderança - e a gente sabe muito bem quem não está na alta liderança e onde essas pessoas estão. Precisamos dar foco num movimento que a gente chama de Afirmação, dentro de D&I. Ter a intenção, intencionalidade, de mudar algumas características da demografia das organizações e em paralelo trabalhar a questão Cultural, porque senão a gente vai continuar contratando os diferentes, passando naquela máquina de moer carne, para sair todo mundo igual do outro lado. Eu não consigo modificar a estrutura da minha organização se eu não fizer as duas pontas. É um processo como você bem mencionou.
Márcio: Podemos discutir em paralelo sobre empresas - principalmente as grandes empresas e multinacionais porque elas que têm tem recurso para isso - rediscutirem o seu papel social.
Em um país como o nosso, que tem grandes desafios sociais e governos que tem e sempre tiveram dificuldade muito grande de lidar com essa parte social - seja por pensamentos, seja por recursos, seja por características do governo em si. O quanto as empresas não poderiam ter um papel social mais efetivo? Não precisa ser macro, pode ser micro, mas que ajude a montar, melhorar a sociedade desde o desenvolvimento, desde a educação, desde vários fatores que hoje são obrigações do governo. No entorno da empresa, por exemplo, uma grande indústria e seu entorno, você tem uma grande indústria e no entorno dela é horrível, é pobre, é miserável. Quanto que ela não poderia atuar ali e ajudar a sociedade a se desenvolver? Eu acho que isso poderia ajudar a gente olhar para dentro da empresa depois e falar: “ela não reflete a sociedade”. Ela não reflete porque ela se protege, porque ela quer olhar a performance dela, o desempenho dela, o lucro dela e então ela se protege com o melhor da sociedade – vamos chamar assim - mas não deveria ser assim porque não deveria ter esse “melhor da sociedade”, deveria ter um desenvolvimento igualitário e as pessoas conseguirem, independentemente de qualquer coisa, terem o mesmo acesso.
O quanto que as empresas poderiam se envolver mais socialmente. Eu sei que é muito complicado porque as empresas falam muito, divulgam muito, mas fazem pouco! Olhando o percentual que uma empresa investe versus o seu lucro... é muito pouco! Para mim esse é um dos grandes desafios: mudar o mindset da empresa e pensar de maneira diferente.
Glenda: Já tem um movimento muito grande acontecendo! Diversidade e Inclusão só acontecem porque esse movimento, de algum jeito, vem com uma pressão muito grande, muito maior do que olhar para o país e entender que o que o governo faz ou não, o que o governo pede ajudar... isso não existe... para falar que não existe 100% - eu não gosto de ser radical - mas praticamente não existe. O que acontece de fato é um movimento em que as empresas olham para a necessidade do negócio e aí o âmbito social acaba vindo junto. Então existe sim um movimento crescente de organizações olhando para as questões sociais, buscando essa inclusão porque entendem que dentro das organizações elas precisam ter esse substrato da sociedade, ela precisa estar refletida dentro da organização para que seus negócios se perpetuem. E responsabilidade social é isso: a empresa está tirando pedra de um determinado lugar? O que ela está fazendo no entorno? Está pescando em determinado lugar? O que está fazendo para essa comunidade do entorno?
Isso se junta a uma coisa que, para mim, é a parte mais legal : o cidadão olhando e falando “eu tenho R$100,00 então eu vou gastar os meus R$100,00 de maneira política, e não comprando de qualquer empresa, e não “investindo” em qualquer empresa.
Está aí tudo de ESG (Ambiental, Social e Governança, em português ) escancarado para a gente ver. É uma junção de vários fatores que vai levando a gente para um lugar melhor. Eu tendo a ser otimista.
Thiago: Já estamos até abordando aqui o consumo consciente, um dos tópicos do Debate no Café.
Glenda, você falou de sua carreira em multinacionais, você acha que o Brasil está em qual lugar quando a gente fala de Diversidade e Inclusão e Perfis Plurais? Estamos bem posicionados quando a gente olha as empresas fora do país? Temos muito a caminhar? Onde a gente está nesse momento?
Glenda: Depende para onde a gente olha? A gente tende a olhar e ter referência de alguns lugares da Europa e Estados Unidos também. Dependendo da perspectiva que você pegar eu diria que a gente está muito atrás. Ainda discutimos como se o racismo não existisse nesse país, por exemplo. Tem lugar dentro das organizações que a gente não consegue falar de racismo ainda e quando você olha fora do Brasil, em muitos lugares, é uma coisa que é clara, existe, é muito forte. Precisamos trabalhar para eliminar aquilo que chamamos de viés inconsciente. No Brasil se atua sem perceber que está sendo racista. Então vai depender um pouco da perspectiva.
As multinacionais - na sua maioria – tem sua sede nos grandes centros do Brasil (São Paulo, Rio de Janeiro) e nesses lugares a gente acaba tendo uma evolução maior do que quando eu vou para o interior do Pará, por exemplo. Eu tenho mais dificuldade em conseguir caminhar esses assuntos em organizações menores, então vai depender um pouco de como a gente olha. O que eu vejo de positivo é que as empresas não vão conseguir mais adiar esse tema. Não tem mais como fazer isso. O assunto está tão forte que as empresas precisam, de alguma maneira (pelo amor ou pela dor) se estruturar para fazer um movimento de Diversidade e Inclusão.
Estamos começando a evoluir. Muitas organizações de maneira muito bem estruturada, chamam uma consultoria, fazem um censo, analisam todos os seus dados, tomam decisões estratégicas, mas infelizmente um monte de organizações ainda estão fazendo muito pouco.
Agora eu junho por exemplo, mês do orgulho, algumas empresas esticam uma bandeira colorida e parece que está tudo certo. A gente ainda tem um pouco desse olhar, mas como tudo no mundo é uma evolução, então a gente precisa insistir nessa pauta. Precisamos garantir que as pessoas estão entendendo - dentro e fora das organizações. Um exemplo: o que aconteceu há pouco tempo sobre a PL504 de 2020, falando que pessoas LGBTs não poderiam participar de propagandas (publicidade) porque elas teriam uma influência negativa para as crianças... Uma série de empresas grandes, com processos muito bem feitos e estruturados, se mostraram contra um absurdo desses. Não tem como você votar um absurdo desses. Então eu acho que a gente caminha sim, mas em alguns aspectos ainda bem atrás de que poderia.
Márcio: voltando um pouco para os perfis plurais, eu quero trazer um pouco de prática para a conversa.
Existe um caminho a ser seguido por empresas que querem olhar para Perfis Plurais ou Diversidade e Inclusão?
Não estou falando somente de multinacional (que normalmente elas são bem assessoradas) mas a gente tem um mercado enorme de pequenas e médias empresas no Brasil que precisam se adequar ou têm que olhar para isso da mesma forma. Claro que uma grande empresa tem um ecossistema muito maior do que uma pequena empresa. Para onde uma pequena ou média empresa tem que olhar? Se eu tiver que fazer um guia de boas práticas, como você recomendaria, como consultora, que essas empresas teriam que agir?
Glenda: A Ikigai trabalha com isso e pode ajudar.
Brincadeiras à parte, tem sim um caminho a ser seguido. É tão amplo e profundo o assunto que as empresas que começam sozinhas acabam se perdendo e começam a patinar e tendem a dizer que não dá certo. Porque dá muito trabalho, e acaba sendo frustrante.
O melhor caminho seria começar o mais estruturado possível. É preciso entender a população da empresa. O que está acontecendo com a população? Você tem quantos negros na sua organização? Quantas mulheres? Essas pessoas estão nos cargos de liderança ou estão na sua base? Quanto tempo elas ficam em cada cargo? Tem que ser feita essa análise inicial - que chamamos de censo - porque ela é fundamental. Sem isso você pode atirar para qualquer lado e talvez você trabalhe em coisas que você não precisa.
Por exemplo, talvez você precise trabalhar a inserção de profissionais negros dentro da organização, mas você acha que tem que trabalhar mulheres em cargos de liderança ou pessoas com deficiência e neste caso você está atirando no lugar errado.
Então fazer o censo organizacional é a primeira coisa. Com o censo você começa a discutir a estratégia do seu projeto. Ele tem um cunho social óbvio. Ele vai movimentar muito a sociedade, mas existe também uma questão de negócio. Então é preciso saber exatamente como fazer sua agenda de diversidade e inclusão ao mesmo tempo que impulsiona as áreas de negócio. Por exemplo, por que perfis plurais podem te ajudar em uma área de desenvolvimento de produto? Porque você soluciona problemas de maneiras diferentes. Simples assim! Se você tiver um monte de engenheiro formado no mesmo lugar, com o mesmo tipo de vivência eles conseguirão ver soluções muito parecidas. Vou falar de mulher neste caso – já que ainda existem mais engenheiros homens do que mulheres – se você coloca uma mulher neste time você quebra aquele pensamento, você já traz outra perspectiva; mas essa mulher tem que ter voz, e é nesse momento que a gente volta para a cultura da empresa. Então é preciso fazer o censo, ter esse alinhamento estratégico e precisa ter o que a gente chama de transformação cultural - que é transversal a tudo isso – e dessa forma você consegue impulsionar – usando as atividades afirmativas - tendo a intenção de mudar o quadro.
As empresas falam “Vamos recrutar perfis plurais”, mas nem remuneração, nem planos de desenvolvimento foram pensados. A maneira como eu dou feedback para uma pessoa que veio da favela é diferente de outros feedbacks; porque eu preciso direcionar essa conversa de uma outra maneira senão eu coloco a autoestima dessa pessoa para baixo e não recupero nunca mais. Olhar de ponta a ponta esse colaborador dentro da organização, na perspectiva de diversidade e inclusão, eu acho que é uma das dicas mais relevantes que a gente pode dar.
Thiago: Então um perfil plural vai ajudar na criatividade e na inovação?
Você está trazendo pessoas e perfis que vêm de outros lugares, que como eu já comentei anteriormente, vão pensar fora da caixa e com isso você tem melhores soluções, talvez mais criativas, inclusive. Então quando falamos de criatividade, se faz importante ter perfis plurais na organização?
Glenda: Sim, está totalmente ligado. Existem várias pesquisas falando disso já. Falamos muito de probabilidade, porque não existem dados há tanto tempo para a gente cravar o percentual, mas aquelas empresas diversas são aproximadamente 20% mais criativas e inovadoras que as não diversas. Veja as inscrições de patentes por exemplo: empresas que são plurais tendem a ter mais patentes registradas do que as empresas mais tradicionais.
Mas não adianta só ter esse perfil plural na sua empresa. Como que essa pessoa vai se sentir segura a ponto de poder falar alguma coisa em uma reunião? Está tudo ligado. Você precisa do perfil plural e da ambiência para que ela possa dizer, para que ela possa errar, aí sim você movimenta essa roda.
Márcio: Olhando para esse ponto que você está falando, podemos dizer que as coisas têm que andar em paralelo? Uma empresa decide, de cima para baixo, que tem que ter diversidade; mas as áreas não estão preparadas para lidar com isso - gestores, por exemplo.
Você diria que este pensamento está mais consolidado nas áreas de RH e menos nas demais áreas; uma área comercial, por exemplo? Como fica isso para as outras áreas da empresa fora do RH? Áreas que têm uma realidade de cobrança muito forte para resultados. Qual a melhor forma de lidar com isso?
Você falou uma coisa importante que é a decisão vir de cima para baixo. Daí você contrata uma pessoa que vem de uma favela, mas que recebe feedback como todos os demais porque o feedback é dado pela característica do gestor, não pela característica da pessoa... como que fica isso? Pode gerar outros problemas ainda piores para serem resolvidos?
Glenda: Dar feedback igual para todo mundo já está errado, cada um é único.
É muito interessante o que você falou sobre área de negócio, vendas, etc. Eu fui da área de Recrutamento e Seleção por muitos anos e eu sempre orientei meu time dizendo que não são somente estas áreas que fazem o resultado, a área de RH, Talent Acquisition, faz também! Porque são estas áreas que contratam. Então também somos parte desse resultado, não é somente o profissional que está lá vendendo que faz o resultado. Esse conceito mudou também. É importante que a gente internalize isso: todo mundo faz o resultado!
Tem uma questão que quero abordar: equidade e igualdade - não queria ser muito teórica mas acho que tem tudo a ver com o que você falou, então eu vou abordar aqui. Igualdade é quando você tem exatamente a mesma coisa para todo mundo. Por exemplo, o benefício de uma bolsa de estudo: todo mundo tem direito a isso aqui e aí não interessa se temos histórias diferentes... eu parto do princípio de que todo mundo vai se beneficiar com aquilo. Em muitos momentos sim, mas em muitos momentos não. Num país tão desigual quanto o nosso as pessoas não tiveram as mesmas oportunidades então elas não vão usufruir dos benefícios da mesma maneira. Então isso é um conceito importante. Já a equidade é olhar para a histórica de cada um de nós de forma diferente. Por exemplo, o Márcio tem uma história de vida diferente da história da Glenda então para o Márcio, talvez, essas características de benefícios sejam melhores e para a Glenda tais outras características sejam melhores. E é o gestor quem deveria fazer isso.
Se somos um time o gestor deveria olhar para cada um de nós e dizer “Olha, eu percebo que quando o Thiago tem um feedback com mais exemplos e mais detalhado ele reage melhor”, então, para o Thiago eu tenho essas características que se divergem dos demais, entende? Outro exemplo: “Eu percebo que quando o filho da Glenda está mal na escola ela fica mais sensível”, então, talvez, a gente precise fazer um acolhimento primeiro e depois dar um feedback. Não é nada demais, na verdade a gente está falando de respeito.
Quando a gente fala do perfil plural, imagine uma pessoa que vem de uma condição social diferente da que a gente costuma ver nas grandes organizações – pessoas com uma série de privilégios e etc. - é óbvio que ela não vai entender o feedback na mesma proporção, é óbvio que ela é diferente, porque ela tem uma condição de vida diferente [menos privilegiada], porque ela veio de uma estrutura diferente, então o gestor precisa se disponibilizar quase que emocionalmente para poder fazer esse engajamento. As empresas precisam fazer a mesma coisa: entender essas características, principalmente na perspectiva de equidade, e então fazer a inserção das Políticas, das Práticas, da Cultura, refletindo um o que é essa população interna. Se minha empresa tem um grupo muito grande de LGBTs, por exemplo... talvez eu precise fazer um tipo de acolhimento, as minhas políticas, devem ter um determinado olhar para este público. O mesmo ocorre se eu estiver falando de pessoas negras e assim por diante. As empresas precisam ter essa visão. Como a gente consegue isso? Não pode ser somente top-down, tem que ser bottom-up também. As pessoas precisam falar. Por isso que os grupos de afinidade são tão importantes dentro das empresas. Porque são, no final das contas, a voz da organização dizendo que isso funciona e aquilo não funciona. Isso não é uma agenda de RH isso é uma agenda transversal de negócios, muitas empresas já contratam uma pessoa de diversidade e inclusão separado do RH para buscar fazer essa agenda transversal. Trata-se de olhar o colaborador de ponta a ponta, mas também é olhar o negócio. É fazer treinamento para liderança, mas é também ouvir os colaboradores, para você fazer essa mistura, uma grande alquimia no final, por isso que me encanta.
Thiago: Estamos usando muitos exemplos de marcadores sociais, mas eu queria algum outro exemplo, que tenha chamado sua atenção ao longo de sua carreira por ter sido realmente muito diverso, muito plural. Talvez uma aposta que alguma empresa tenha feito.
Glenda: Você sabe que eu descobri diversidade e inclusão por uma inquietude. Ela foi nascendo dentro de mim, e essa inquietude está relacionada com esta questão de ter que se manter o status quo, dizer “isso sempre funcionou assim, então vai continuar funcionando, vamos seguir”. É quando a gente esbarra no famoso “eu quero essa pessoa”. O gestor abre o processo de seleção, mas diz que já tem um candidato. Isso sempre me provocou muito a pensar: por que então estou fazendo esse processo de seleção, se o gestor já sabe quem ele quer? Ao longo da minha carreira eu acho que eu consegui quebrar um pouco disso em algumas oportunidades, e isso gerou essa vontade em mim de querer fazer mais, para gerar mais oportunidades.
Eu venho de um mercado de saúde então vou te dar um exemplo desse mercado, apesar de hoje falarem que isso já é normal não era até um tempo atrás: trazer um profissional de consumo para uma área comercial dentro de uma indústria farmacêutica era uma coisa inaceitável! Diziam que essa pessoa nem saberia falar com o médico, por exemplo. Mas a competência para uma função comercial a pessoa tinha. Então, como que a gente faz esse balanço? Eu travei algumas brigas por conta disso, mas tive muito sucesso fazendo essas provocações. Com isso a gente abre mais para discussões para diferença de pensamentos, a diferença de vivência, etc. Outro exemplo é trazer alguém da área de tecnologia para dentro da indústria farmacêutica também. Tudo isso é uma quebra de paradigma que leva a gente para esse lugar do perfil plural.
Márcio: Aconteceu comigo. Trabalhei toda minha carreira em agências de comunicação e propaganda. Uma das características de uma agência é você atuar cada hora em um segmento de mercado. Eu tinha reunião de manhã para falar de chocolate, à tarde falava de antena parabólica e no final do dia eu estava falando de cerveja, ou seja, super plural. A gente tem que ficar virando a chave, e mais do que isso, tinha que ganhar confiança do cliente, mostrando que você tem competência e habilidade para falar do negócio dele mesmo que você não viva 100% do negócio dele. Eu falava de medicamento e saía para falar de varejo de moda.
Lembro de um caso específico que eu estava na frente do presidente de uma grande empresa de B2B (de faturamento na casa dos bilhões de reais) e a gente simplesmente falou para ele com toda segurança e coragem que ele estava trilhando um caminho que não era bom, e ele reagiu:
-Que competência vocês têm para falar isso para mim?
- Olha, do seu mercado não conhecemos profundamente, mas conhecemos de negócios e conhecemos de relacionamento com o cliente e nosso experiência nos dá uma sensação de que isso que você está fazendo não é bom.
Por conhecermos tanto de um negócio específico, estamos tão arraigados que pensamos que somente outra pessoa que conhece tanto quanto nós daquele negócio poderá nos ajudar ou opinar. E isso não é verdade! Muitas vezes aquela pessoa que pode não conhecer nada do negócio, mas está com a mente totalmente limpa e livre de qualquer vício, somente ela vai conseguir trazer algo que você jamais iria conseguir pensar sozinho.
Se fala disso a muito tempo, porém estamos em um bom momento para as empresas conseguirem se abrir um pouco mais para isso e entenderem que mesmo aqueles que não conhecem tanto do negócio podem ajudá-las. Talvez mais ainda do que alguém que já conhece muito, porém possui vícios, e talvez já não funcione mais dentro da necessidade daquele momento.
Glenda: Tem outra questão que mudou muito também: antes, quando dávamos uma opinião, tinha que ter certeza e aquela opinião tinha que ser lacradora. Você falou então agora todos vão seguir porque o que você falou é regra - você diretor, você diretora. Hoje não é mais assim. A gente precisa de um ambiente onde eu possa falar coisas que parecem sem sentido, desconexas, mas que acabam puxando outras ideias porque você fez outras pessoas pensarem outras coisa com aquilo... a partir daí a gente vai construindo juntos.
Falamos muito de colaboração no mundo corporativo atual, isso é você poder deslizar, é você poder errar, porque o outro vai construir em cima do seu “vacilo” e juntos vocês conseguem uma solução melhor. Isso também é uma coisa que vem batendo muito forte nas organizações hoje em dia.
Márcio: Será que as empresas estão preparadas para a cultura do erro? Ao mesmo tempo elas querem inovação. Mas como que eu vou inovar se eu não errar? E como que eu vou inovar se eu não tiver um pensamento diverso, com várias pessoas diversas? Muitos pensam que não podem errar porque dá prejuízo... ou não têm tempo de errar pois querem resultado rápido.
Glenda: Pois é! Nossas horas que falo: pegue todos os livros que falam de inovação na Apple, no Google e tantas outras empresas e veja a quantidade de erros eles tiveram antes alcançar um novo produto de sucesso.
Thiago: Eu queria trazer um exemplo de uma pessoa do mundo acadêmico, um PhD (pós-doutor em Sociologia) foi convidado para participar de um processo seletivo de uma Fintech, para trabalhar com User Experience (UX)... e passou, entrou!
Isso para mim é uma bela diversidade. Isso sim é um perfil extremamente plural. Você traz um sociólogo e ele vai entender o ser humano de uma maneira extraordinária. Vai saber ler o consumidor daquela empresa de uma maneira muito diferente do que profissionais da própria empresa ou do setor poderiam ler. Esse tipo de “aposta” enriquece o quadro de colaboradores e gera mais alternativas, gerar mais ideias inteligentes e traz outras leituras dos cenários.
Glenda: É importante frisar uma coisa: as empresas acham que todo os colaboradores vão estar 100% prontos no momento da contratação; então vamos imaginar esse sociólogo, ele vai se adaptar super bem na indústria de bate pronto? Não! Ele vem de um outro lugar, então a empresa precisa ter o olhar da equidade, pensar que esta pessoa precisa fazer um onboard que vai além do que se coloca nas práticas normais do seu onboard. Talvez o RH ou o próprio gestor ou gestora dessa pessoa precise se sentar e contar que mundo corporativo é esse que ele está entrando. Quando eu contratava médicos que nunca tinham pensado em atuar na indústria farmacêutica, eles sofriam muito no início. A empresa precisa fazer essa adaptação, não existe ninguém pronto; a gente ainda cai muito nessa armadilha.
Márcio: Concordo, não existe ninguém pronto, nem nunca vai existir. A gente se enganou esse tempo todo. A gente achava que era fácil, bastava ter um job description e se o profissional cumprisse tudo aquilo ali que estava ali, ele estava pronto! [Glenda: e aí você atinge o sucesso e será feliz para sempre... quem contou essa história?!]
Thiago: Infelizmente estamos chegando ao final.
Glenda, muito obrigado pela sua participação. Poderia nos dar suas considerações finais para quem quer saber mais sobre perfis plurais e diversidade e inclusão?
Glenda: Eu amei o papo, foi muito bom, eu passaria horas aqui falando disso.
Busque informação de verdade, não fique somente no Instagram ou no YouTube, leia informação de qualidade, a pauta de diversidade e inclusão é muito profunda. E quando você quer debater um assunto você precisa ter uma visão mais aprofundada; as pessoas ainda tendem a falar muito superficialmente sobre o tema, mas é uma pauta que exige mais estudo.
Faça a diferença no seu dia a dia. Está faltando as pessoas entrarem em ação. Todos os dias a gente pode fazer um pouquinho. Todo dia a gente pode acolher alguém. Todo dia a gente pode pensar diferente. Todo dia a gente pode inovar um pouquinho. Todo mundo ganha com isso.
FIM
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