#7 - Café Especial e muita inovação no Agronegócio
- Debate no Café
- 26 de abr.
- 7 min de leitura
Olá! Estamos de volta para mais um episódio do "Debate no Café"!
Neste episódio, Márcio Oliveira e Thiago Pierozzi recebem Cristiano Ottoni para um bate-papo aprofundado sobre o universo do café. Cristiano Ottoni é agrônomo, trabalha com café desde os anos 90, foi co-fundador da Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA) em 1991, e é sócio e diretor da Bourbon Special Coffees, uma das maiores traders de cafés especiais do mundo. Com uma família com tradição no setor desde 1890, ele compartilha a paixão que só cresceu ao longo dos anos, especialmente ao trabalhar com cafés especiais, que transformam a bebida comum em uma especialidade, oferecendo sabores e experiências únicas.
O café é mais do que apenas uma bebida; é também um momento social que agrega pessoas. A história do café no Brasil está intrinsecamente ligada ao desenvolvimento do país. Hoje, o Brasil produz aproximadamente 40% do café consumido globalmente. Em agosto de 2020, mais de 2,7 milhões de sacas de café foram transportadas, sendo que 17% desse total eram de cafés especiais.
Um número impressionante na produção nacional é o salto na produtividade nas últimas décadas, passando de uma média de 10 sacas por hectare para cerca de 25-30 sacas por hectare, e em alguns locais chegando a 50 sacas por hectare. Esse avanço se deve às inovações na agricultura.
O que diferencia um Café Especial?
Um café especial é aquele que atinge uma pontuação de qualidade acima de 80 pontos em uma escala de 0 a 100. A qualidade é o primeiro diferencial, agregada pelas maneiras de produção, preparo e variedades. No Brasil, é possível ter mil tipos diferentes de cafés especiais.
Vários fatores influenciam o sabor final e a qualidade de um café especial:
Varietal (variedade da planta): Variedades antigas como Bourbon Amarelo e Bourbon Vermelho, e novas como Arara e Catiguá, produzem cafés diferenciados, embora todas as variedades, se bem preparadas e no local certo, tenham potencial para serem especiais.
Local de Produção: A altitude influencia muito; cafés de altitudes mais altas geralmente agregam acidez, enquanto os de altitudes mais baixas agregam mais corpo. Uma produção equilibrada geralmente se situa entre 1.100 e 1.300 metros. O solo também influencia bastante.
Maneira de Colheita e Processamento: O café é uma fruta, e o que torramos é a semente. O processamento após a colheita, como ser lavado, descascado, "semi natural" ou cereja natural, consegue alterar o sabor do café. O processamento define a qualidade final.
Conservação: Como o café possui muito óleo, a maneira de conservar é importante para evitar a perda de tons. O armazenamento adequado mantém a qualidade por 12 meses, que é o período entre safras.
O conjunto desses fatores é que define a bebida que se está buscando, permitindo criar diferentes sabores (achocolatado, caramelo, mais acidez, mais frutado) de acordo com a demanda do cliente.
O Produtor de Cafés Especiais
No Brasil, 70% dos produtores são pequenos produtores. Eles têm muito mais facilidade em produzir os cafés "super especiais", como os microlotes, do que os grandes produtores. Isso ocorre porque o produtor maior, devido à escala, não consegue dar a atenção focada necessária para atingir pontuações muito altas, embora produza cafés muito bons e estáveis (como de 83-84 pontos) devido à estrutura e mecanização. Já o pequeno produtor consegue mais facilmente produzir cafés de 90 pontos com colheita seletiva (apenas grãos maduros), seca diferenciada (como em terreiros suspensos para evitar contato com o solo e fermentação), e uso de estufas plásticas para proteger da umidade. Cristiano Ottoni menciona que ajudam bastante os pequenos produtores a mostrar o caminho para preparar cafés finos sem grande impacto de custo. O volume de cafés especiais produzidos por pequenos produtores tem crescido significativamente.
Mercado e Consumo
O mercado interno brasileiro de cafés especiais tem crescido. Embora o Brasil estivesse um pouco atrás de mercados maiores (Europa, EUA, Japão) em relação à qualidade, o mercado local evoluiu. Há 20 anos, era difícil encontrar cafeterias de qualidade fora das capitais, mas hoje isso mudou, e qualquer cidade do interior costuma ter boas opções.
A nova geração tem mostrado grande interesse pelo café, tanto na produção (filhos de produtores retornando às fazendas para trabalhar com especiais) quanto no consumo. Muitas cafeterias, especialmente as independentes, são geridas por jovens baristas que estudam e trazem novidades internacionais para o Brasil. As grandes marcas também lançaram linhas de cafés especiais, facilitando o acesso do consumidor. O jovem está consumindo café de maneiras diferentes, além do cafezinho tradicional, como café gelado, drinks de café e diferentes métodos de preparo.
Os países nórdicos (Noruega, Suécia, Finlândia) são os maiores consumidores per capita de café. Em volume, os maiores consumidores são os Estados Unidos (cerca de 26 milhões de sacas por ano) e o Brasil (próximo de 23 milhões de sacas e crescendo). O consumo no Brasil cresce muito entre os jovens. O café é visto como algo muito sociável, um motivo para encontros e aproximação. Cafeterias se tornaram ambientes de encontro com diversas ofertas. Há adaptações culturais no consumo, como cafeterias sofisticadas na Arábia Saudita ou cafés gelados em lata no Japão.
Benefícios para a Saúde e Importância Social
Estudos indicam que o café traz vários benefícios para a saúde quando consumido com moderação (até 4 xícaras por dia é benéfico). Ele melhora a circulação sanguínea, o ânimo, ajuda a diminuir a depressão, melhora a capacidade cerebral e possui muitos antioxidantes. Estudos mostram que crianças que tomam café com leite pela manhã têm melhor rendimento escolar, pois o café desperta e ativa o cérebro.
O café é muito mais importante no Brasil pelo seu papel social do que apenas econômico. Embora seja uma commodity que gera dinheiro, ele emprega muita gente. Nas fazendas de café, há mais de 3 milhões de pessoas trabalhando, sem contar armazéns, logística, transporte, torrefação e cafeterias. Em épocas de colheita (maio a setembro), há muito emprego no setor. Em pequenas cidades onde a produção de café é forte, o café move a economia, ativando comércio e construção. A alta no preço do café, influenciada por efeitos climáticos como seca e geada, fortalece a economia dessas cidades.
Inovação e Tecnologia no Agronegócio do Café
A revolução na agricultura, a "Agricultura 4.0" ou até "5.0", que utiliza tecnologias digitais e de ponta, está impulsionando a produtividade no café. O Brasil tem uma forte estrutura técnica de pesquisa que desenvolveu variedades resistentes a doenças, o que permite usar muito menos defensivos agrícolas, trazendo ganhos econômicos para o produtor e diminuindo a contaminação.
Tecnologias como a agricultura de precisão, controlada por satélite, permitem mapear o solo e aplicar adubo, corretivo ou defensivo exatamente onde e na quantidade necessária em cada parte da lavoura, aumentando a produtividade nas áreas mais fracas e economizando produto. Máquinas com leitores ópticos aplicam herbicidas apenas onde há plantas daninhas, evitando aplicar na área inteira. Drones já são realidade para pulverização e controle de irrigação. Algumas fazendas controlam a irrigação remotamente via satélite e sensores no solo.
O pequeno produtor está tendo acesso a essa tecnologia de algumas formas:
Cooperativas e Associações: Juntam produtores para financiar ou fornecer equipamentos.
Empresas de Aluguel e Terceirização: Equipamentos caros como colhedeiras (viáveis para áreas a partir de 200 hectares) ou serviços de pulverização com drone são alugados ou terceirizados, tornando a tecnologia acessível e eficiente para o pequeno produtor, que não precisa investir e manter máquinas paradas.
Essa evolução permitiu ao Brasil produzir o dobro de café com uma área plantada 30% menor do que no início dos anos 90, liberando áreas para conservação ambiental.
Profissionalização e Acesso à Informação
A inovação na agricultura está criando novas profissões e adaptando outras, como operadores de máquinas sofisticadas que precisam de formação técnica. Profissões como barista, pouco conhecidas antigamente, hoje demandam alta qualificação. A agricultura está se tornando um trabalho mais sofisticado e melhor remunerado.
A informação está muito mais aberta hoje, especialmente na internet, permitindo que o produtor pesquise preços e entenda o mercado. Antigamente, o produtor levava a amostra do café e perguntava o preço, sem saber a qualidade que tinha. Hoje, muitos produtores sabem classificar e provar seu café, conhecendo a qualidade e podendo precificá-lo. Para aqueles que não sabem, há técnicos classificadores e degustadores independentes que prestam esse serviço. Filhos de produtores estão aprendendo sobre qualidade e classificação, o que é fundamental.
Ser um pequeno produtor não significa falta de conhecimento; é possível ser um pequeno produtor profissional com acesso à tecnologia e informação. Muitos pequenos produtores que se modernizaram têm produtividade até maior que a de grandes propriedades.
Como escolher um bom Café Especial no Supermercado?
Para quem está começando a explorar cafés especiais:
Leia a Embalagem: Procure informações sobre a origem do café, o produtor. Se houver rastreabilidade e detalhes sobre o produtor, provavelmente é um lote diferenciado.
Procure Selos de Qualidade: O selo da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais) oferece rastreabilidade, origem e pontuação. O selo da ABIC (Associação Brasileira da Indústria de Café) também indica qualidade (café gourmet).
Pontuação: Cafés acima de 80 pontos são considerados especiais. Não é preciso começar com um café de 90 pontos; um café de 83-84 pontos já é muito bom para o dia a dia.
Preço: Embora não seja o único indicador, cafés muito baratos (R$ 5-8) provavelmente não são especiais de alta qualidade, comparados a cafés na faixa de R$ 30-50.
Experimente: Há muitos cafés de qualidade muito boa hoje que não são "caríssimos". O importante é encontrar um que agrade o seu paladar.
Curiosidades: Café Jacu e outros cafés exóticos
Cristiano Ottoni comentou sobre o café Jacu, um café exótico produzido no Brasil onde o grão é consumido pela ave Jacu na natureza e depois coletado em suas fezes para processamento. Existem outros cafés exóticos semelhantes no mundo, como o Kopi Luwak na Indonésia (processado por um marsupial) ou cafés coletados após serem ingeridos por elefantes ou aves. A produção de café Jacu é limitada por depender da coleta na natureza, e sua característica diferente vem da fermentação no organismo da ave.
O café arábica (originário da Etiópia) produz as pontuações mais altas e sofisticadas, enquanto o café robusta (ou Conilon, originário do Congo) tradicionalmente era mais barato e usado em blends. No entanto, a qualidade do robusta tem se sofisticado, e robustas finos hoje são usados em blends de espresso para dar corpo e cremosidade. O Brasil possui o maior banco genético de variedades de café do mundo no Instituto Agronômico de Campinas, essencial para o desenvolvimento de novas variedades.
Este debate mostrou como o café, em especial o café especial, é um ecossistema complexo e fascinante, que envolve desde a produção inovadora no campo, a profissionalização de produtores, até novas formas de comercialização e consumo.
Esperamos que tenham gostado deste debate no café! Deixem seus comentários sobre como vocês tomam café e o que acharam do episódio. Compartilhem com outros amantes de café, inscrevam-se no canal e sigam nas redes sociais.
Um abraço a todos e até o próximo Debate no Café!
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